Jô Saulo: da poesia clássica à Antropofagia e à Literatura Marginal
Conheça a história do poeta, contista, compositor, músico e professor de Literatura, no 3º episódio do Projeto Dois Dedos de Prosa e Poesia, em parceria com a Academia Alagoana de Letras
Myllena Diniz
O terceiro episódio do Projeto Dois Dedos de Prosa e Poesia – uma parceria de incentivo à produção literária entre a Imprensa Oficial Graciliano Ramos e a Academia Alagoana de Letras (AAL) – traz a história de Jô Saulo, poeta, contista, compositor, músico e professor de Literatura.
Autor de Qualquer curva que me leve sem sua linha reta, publicado pela Imprensa Oficial, por meio de edital de incentivo à produção literária em Alagoas, Jô Saulo trouxe para as prateleiras um livro que reúne uma série de poemas em estilo de haikai, repletos de ironia e bom humor, que refletem sua alma boêmia e musical.
Essa história com a literatura, segundo o escritor, começou na infância, por meio das Histórias em Quadrinhos. “Acredito que seja o primeiro contato de toda criança, porque as imagens ajudam o imaginário infantil. Isso faz com que elas se apaixonem por esse estilo de literatura, de arte, e se entreguem aos gibis, de várias maneiras”, destacou.
Com o passar dos anos, o amadurecimento de Jô Saulo também acompanhou seu repertório literário, com a inserção de clássicos da poesia e da prosa, tanto brasileiros quanto internacionais. Mas foi por meio da música que ele teve seu primeiro contato com a arte, o que, verdadeiramente, permitiu seu mergulho pelo universo da escrita.
“Comecei entre os 11 e 12 anos, tocando contrabaixo, e essa paixão pela música me fez escrever minhas próprias canções. Acho que é natural todo artista querer produzir aquilo que é seu, fazer com que as pessoas sintam aquilo que você está sentindo no momento. Então, eu comecei a escrever e a tentar compor, de forma rústica, sem tanta técnica, sem muito conhecimento, mas, cada vez mais, me apaixonando pela Literatura. E, por fim, acabei me apaixonando de vez pela poesia e comecei a versificar aquilo que sentia, a trazer a poesia para o papel”, revelou.
Da música para a literatura
Apesar de a musicalidade despertar sua poética, havia diferenças entre as duas artes que fariam toda a diferença na caminhada do escritor. “Percebi que a poesia, apesar de ser em versos também, de ter musicalidade, não é a mesma estrutura de uma canção. Tem suas próprias regras, suas próprias formas. São artes distintas, apesar de estarem próximas, e se diferenciam, por cada uma ter um elemento essencial. Isso me fez querer conhecer os grandes nomes, os grandes clássicos, como Camões e Shakespeare, e ver a forma como eles produziam a sua arte. E aí eu fui conhecer a metrificação, as rimas, toda a estruturação formal que uma poesia clássica deveria ter. Então, conheci o soneto, a ode, e comecei a reproduzir esse estilo formalista de poesia”, salientou.
Influência de várias escolas literárias
No bate-papo, Jô Saulo também fala do contato com escolas literárias que influenciaram sua obra, como o Ultrarromantismo e o Simbolismo. “São escolas pelas quais me apaixonei e sou apaixonado até hoje. Elas têm influência muito grande na minha poética, desde que eu as conheci. Aquele intimismo, o ‘eu’, o existencialismo, a relação com o homem, o sentimento de inadequação... São coisas muito presentes dentro da minha poesia. E permanecem até hoje, apesar de já fazer um certo tempo que elas entraram na minha escrita”, destacou o autor.
Além disso, ele revelou o grande impacto da Antropofagia na sua literatura. “Ela mudou minha forma de pensar. Me fez perceber que a poesia não é apenas estrutura. Claro que a poesia clássica tem seu valor e sempre vai ter. Porém, a Antropofagia me mostrou que devemos aprender e consumir tudo, mas, na hora de produzir, devemos fazer algo original, próprio, extremamente pessoal. Não apenas naquilo que se está dizendo e, sim, na forma de construir. A partir dela, eu começo a experimentar as minhas próprias formas de fazer poesia. Não mais estruturação e, sim, liberdade”, relatou.
Literatura Marginal
A passagem pelo universo da Antropofagia permitiu a Jô Saulo o acesso aos poemas-pílulas de Oswald de Andrade e à linguagem mais direta, irônica, sarcástica e com finais inesperados. Dessas experimentações artísticas, ele entrou em contato com a Literatura Marginal, tendo entre suas referências nomes como Leminski, Torquato Neto e Chacal.
“Me mostrou que, sim, os simbolistas, os ultrarromânticos, os existencialistas estão certos em sentir e expor esse ‘eu’, mas que esse ‘eu’ também pode ser influenciado pelo outro. E eu comecei a mesclar essa relação do ‘eu’, do existencial, daquilo que está dentro do meu próprio egocentrismo, com a relação com o mundo, com o que o mundo me causa, com a condição de eu estar nesse existencialismo por causa do próprio mundo”, refletiu Jô Saulo.
Durante o bate-papo, Jô Saulo também conta antologias com outros grandes nomes da literatura, a exemplo de Arnaldo Antunes e Gregório Duvivier.
Relação com os contos
Enquanto na poesia o escritor tenta mostrar seu “eu”, na prosa ele desnuda a sociedade. “Como essa sociedade influencia, como mexe com o homem que está dentro dela. Então, os contos têm um cunho muito mais social, fazem com que eu olhe mais para o mundo e menos para o ‘eu’”, explicou.
Não à toa, no livro Qualquer curva que me leve sem a sua linha reta Jô Saulo traz a briga do “eu” com o mundo. “A ironia de se estar dentro de um mundo que o faz sofrer ou pensar. E a ironia do mundo que é sofrido por esse ‘eu’ que, muitas vezes, não perceba a existência desse ser”, pontua.
Dentro do conto, o escritor também já recebeu menção honrosa pelo Estado de Alagoas, pela autoria de Estatística, que aborda a relação social do homem que vai fazer a sua função e gera uma estatística para dentro da sociedade.
O bate-papo completo com Jô Saulo encontra-se disponível aqui, no Canal da AAL no Youtube.